A review by uderecife
A Natureza das Coisas, Tomo II by Lucretius

5.0

Originalmente publicada em:
https://www.goodreads.com/review/show/1788312795

Ler Lucrécio numa tradução é aceitar, à partida, o muito que se assim se perde. Numa obra lírica, a tradução o mais que pode é conseguir dar, talvez, um aroma daquilo que o original canta. Ou seja, à partida a obra lida é menor. Todavia, justiça seja feita à tradução que António José da Silva Leitão fez e que, tanto quanto é possível na traição que é traduzir, mantém não só a lírica (a possível), mas também a força de um texto que quer ser muito mais do que um mero poema.

A presente edição foi publicada em 1851. O texto encontra-se disponível numa digitalização providenciada pela Google Books e que está no português de então. Lê-la, portanto, tem a dupla dificuldade de ser uma tradução lírica e de estar numa escrita que já não nos é familiar (exemplos ao acaso, já que todas as páginas estão deles repletas: lettras, communs, ceo, immensos, fructos, systemas, sciencia, difficil, contal-os, etc.) Ainda assim, e não obstante estas dificuldades, esta versão, quando comparada com outras mais recentes (a de Agostinho da Silva e a de Luís Manuel Gaspar Cerqueira), parece-nos mais viva, mais natural e, por isso mesmo, mais tocante. Nesse sentido, vale a pena o duplo esforço que a ela tem de se devotar.

Quanto ao texto de Lucrécio, tentar resumi-lo é tarefa ingrata. O poema é já uma síntese da filosofia epicurista, e a sua força reside precisamente nos notáveis exemplos usados por Lucrécio para demonstrar argumentativamente a veracidade das premissas de Epicuro. Num universo completamente composto de átomos (no sentido original grego) e vácuo; quando tudo o que é, é precisamente isso, matéria em colisão num somatório de acasos sem fim Ad Aeternum; quando até a alma não existe numa dimensão à parte, mas é também parte do todo e do todo fazendo parte, “Não mais a escuridão de espessa noite / Há de roubar-te a estrada onde consigas / Em todo o arcano entrar da natureza: / As coisas uma vez conhecidas / Dão luz para outras conhecidas serem” (LUCRÉCIO). O mundo mostra-se e mostra-se tal como deve ser visto: sem fantasia, desatrelado de superstições, cru, muito cru, no cru que incomoda, mas que é sincero.

Ou seja, por este caminho, sujeito à tradução, resumir Lucrécio é trai-lo pela segunda vez (tradução, traição). Resta-me, pois, apontar para o poema. No dedo estendido, a mensagem: lê, deixa que o poeta te cante e assim te encante. O mais que eu faça será sempre desonesto.