A review by uderecife
Servidões by Herberto Helder

3.0

Tendo lido Herberto Helder pela primeira vez há dias, agora me vendo perante outro livro deste mesmo autor, já me sinto um pouco mais confortável para opinar sobre aquilo que lhe leio.

O que então saliento é o quanto a sua poesia diz precisamente por não dizer. As frases não desenham caminhos num mapa, apenas apontam a direção. Cada verso é um gesto que furtivamente indica. Ou seja, não pede a sua escrita uma leitura analítica, mecânica, de querer encontrar peças que encaixam, e que se obrigam a girar contíguas. Não; a chave, parece-me, é deixar-se levar pela intuição bruta da primeira impressão. Daí que o gesto seja furtivo. Se se pensa que se viu o dedo a apontar, de novo olhando o dedo já ali não está.

Que sobra então? Não um roteiro, mas a impressão de haver feito o caminho. Sem saber como, nem sempre, por vezes abrimos os olhos e vemos o retrato que Helder nos oferece. Isso dá-nos o conforto de saber nos sabermos levados na direção que se manifesta a espaços. E é assim, aos poucos, que aos poucos nos vamos indo, caminhando, através de páginas que à primeira vista pouco ou nenhum sentido parecem conter.

Ler Herberto Helder é, portanto, um grande desafio. Mas, ainda que a espaços, a satisfação de se deixar indo, descobrindo, tem o seu quê de peculiar que faz com que a experiência tenha grande valor. Serve isto assim para dizer que, apesar da dificuldade inerente de ler uma obra deste autor, é possível defender a sua leitura. Ou seja, apesar de necessária superficialidade desta minha opinião, sinto-me seguro em recomendar a sua leitura. Até porque, no pior das hipóteses, sendo este, como outros livros do mesmo autor, tão curto, no curto tempo de ler um livro tão curto como este se fica a conhecer mais um autor. Quando tão pouco se tem a perder, porque não arriscar?