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A review by bibilly
Senhor das Moscas by William Golding
adventurous
dark
reflective
tense
medium-paced
- Plot- or character-driven? A mix
- Strong character development? Yes
- Loveable characters? It's complicated
- Diverse cast of characters? No
- Flaws of characters a main focus? Yes
3.75
"We're not savages. We're English."
o tipo de clássico cuja discussão posterior pode ser mais entusiasmante que o livro em si. eu não via a hora de terminá-lo e finalmente ser capaz de pegar referências a ele em outras obras (inclusive, uma das minhas próximas leituras será Wilder Girls, que dizem ser inspirado em Lord of the Flies). considerando a nota que tem aqui, suas 200 páginas de descrição imersiva de cenário entremeada de terror e simbolismo não impressionam com facilidade.
talvez alguns não se interessem por esse pacote tanto quanto eu, ou achem que ele não se sustenta ou que não justifica a redução de outros elementos, como caracterização e ritmo. no entanto, toda narrativa sob o ponto de vista de crianças deve ser mais desafiadora para seu autor que o normal; e preenchê-la com um elenco grande sem alongá-la no processo é aceitar que seus leitores não se importarão com a maioria dos personagens. além disso, até os protagonistas não foram feitos para serem indivíduos completos mas representações da condição humana (podendo ser interpretados sob a luz da psicanálise, por exemplo, como id, ego e superego), da sociedade civilizada e sua frágil democracia, da ideia cristã de pecado original etc. o maior erro técnico de William Golding fica sendo, então, o corte de progressão —notável principalmente por dividir um livro curto— depois do capítulo 5, meu favorito. os seguintes, além de anticlimáticos, me fizeram perceber que eu não esperava o fator "alucinação" entrar em jogo, mesmo se tratando de crianças isoladas numa ilha. de todo modo, em um livro que deixa óbvio que em algum momento os personagens começarão a se matar, torna-se fundamental saber quando e como golpear a fim de provocar o maior impacto possível, mas Golding deixa a peteca cair na segunda metade, que deveria nocautear o leitor, mais de uma vez. particularmente decepcionante a cena da qual o título deriva.
já o final me fez lembrar tardiamente de Peter Pan, o que por sua vez me fez perdoar em parte os excessos caricatos. nesta sátira de histórias de aventuras que se passam em ilhas —a qual inclusive tira os nomes dos seus protagonistas de um clássico do gênero intitulado Coral Island— os selvagens não são os nativos do pequeno paraíso e sim anjos ingleses que nele caíram. então, se para Peter Pan, que tem um problema de ritmo muito maior (ao ponto de não ser viável deixar uma criança lê-lo sozinha, porque o meio do livro é chatíssimo) e de racismo escancarado (a ponto de não ser muito seguro deixar uma criança lê-lo sozinha, porque ela vai precisar da conscientização de um adulto) eu dei 4 estrelas só por ter chorado com o final, acho justo ceder 4 aqui também.
pode-se argumentar, por outro lado, que Golding pinta um quadro sutilmente racista. raça não é o que divide os únicos moradores da ilha, sendo todos brancos de similar condição econômica. questões fundamentais da natureza humana fazem esse papel. na verdade, o autor fabrica uma miniatura do mundo externo no contexto da Segunda Guerra, um conflito muito distante e ao mesmo tempo muito próximo dos personagens. porém, à medida que a selvageria vai tomando conta do ambiente, o narrador faz uso cada vez mais de termos comumente relacionados a culturas indígenas (tribo, lança, caça, ritual, pintura corporal etc) para diferenciar os garotos. o exemplo mais contundente está na linha "Which is better—to be a pack of painted Indians like you are, or to be sensible like Ralph is?"("indians" sendo traduzido para "negros" pela Alfaguara*, aparentemente de uma versão mais antiga em que "indians" era a n-word). em minha opinião, a consciência da nossa potente capacidade para aterrorizar e violentar uns aos outros, e de que é preciso muito pouco para que ela venha à tona, é o que permanece ao final.
agora, fora do campo das referências, outro título que passou pela minha mente durante a leitura foi Vidas Secas, dado o fato de os capítulos parecerem contos, ainda que não sejam tão independentes neste caso quanto naquele. isso facilita a divisão da leitura em um capítulo por dia ou entre obrigações para não ficar enfadonha, risco não tão baixo quanto deveria mesmo a obra tendo envelhecido até bem.
como aponta Stephen King em uma introdução para a Penguin, Senhor das Moscas é uma história sobre crianças para adultos, mas acho que se eu fosse mais nova, especialmente um menino mais novo como ele era quando a leu pela primeira vez, ela teria arrancado de mim uma reação mais visceral. ainda assim, me perguntei diversas vezes se eu não fui uma criança que também apertaria a concha gritando pelo seu direito de falar.
* não achei a tradução ruim, mas não concordo com algumas escolhas, como o uso excessivo de "gente" nos diálogos, o que quebra o clima de várias falas.
edit: infelizmente, a cena de conotações sexuais na qual Jack e sua trupe matam uma mãe porca torna-se ainda mais nojenta em retrospecto quando você descobre que o autor confessou ter tentado estuprar uma garota (três palavras no google oferecem uma lista de artigos).
o tipo de clássico cuja discussão posterior pode ser mais entusiasmante que o livro em si. eu não via a hora de terminá-lo e finalmente ser capaz de pegar referências a ele em outras obras (inclusive, uma das minhas próximas leituras será Wilder Girls, que dizem ser inspirado em Lord of the Flies). considerando a nota que tem aqui, suas 200 páginas de descrição imersiva de cenário entremeada de terror e simbolismo não impressionam com facilidade.
talvez alguns não se interessem por esse pacote tanto quanto eu, ou achem que ele não se sustenta ou que não justifica a redução de outros elementos, como caracterização e ritmo. no entanto, toda narrativa sob o ponto de vista de crianças deve ser mais desafiadora para seu autor que o normal; e preenchê-la com um elenco grande sem alongá-la no processo é aceitar que seus leitores não se importarão com a maioria dos personagens. além disso, até os protagonistas não foram feitos para serem indivíduos completos mas representações da condição humana (podendo ser interpretados sob a luz da psicanálise, por exemplo, como id, ego e superego), da sociedade civilizada e sua frágil democracia, da ideia cristã de pecado original etc. o maior erro técnico de William Golding fica sendo, então, o corte de progressão —notável principalmente por dividir um livro curto— depois do capítulo 5, meu favorito. os seguintes, além de anticlimáticos, me fizeram perceber que eu não esperava o fator "alucinação" entrar em jogo, mesmo se tratando de crianças isoladas numa ilha. de todo modo, em um livro que deixa óbvio que em algum momento os personagens começarão a se matar, torna-se fundamental saber quando e como golpear a fim de provocar o maior impacto possível, mas Golding deixa a peteca cair na segunda metade, que deveria nocautear o leitor, mais de uma vez. particularmente decepcionante a cena da qual o título deriva.
já o final me fez lembrar tardiamente de Peter Pan, o que por sua vez me fez perdoar em parte os excessos caricatos. nesta sátira de histórias de aventuras que se passam em ilhas —a qual inclusive tira os nomes dos seus protagonistas de um clássico do gênero intitulado Coral Island— os selvagens não são os nativos do pequeno paraíso e sim anjos ingleses que nele caíram. então, se para Peter Pan, que tem um problema de ritmo muito maior (ao ponto de não ser viável deixar uma criança lê-lo sozinha, porque o meio do livro é chatíssimo) e de racismo escancarado (a ponto de não ser muito seguro deixar uma criança lê-lo sozinha, porque ela vai precisar da conscientização de um adulto) eu dei 4 estrelas só por ter chorado com o final, acho justo ceder 4 aqui também.
pode-se argumentar, por outro lado, que Golding pinta um quadro sutilmente racista. raça não é o que divide os únicos moradores da ilha, sendo todos brancos de similar condição econômica. questões fundamentais da natureza humana fazem esse papel. na verdade, o autor fabrica uma miniatura do mundo externo no contexto da Segunda Guerra, um conflito muito distante e ao mesmo tempo muito próximo dos personagens. porém, à medida que a selvageria vai tomando conta do ambiente, o narrador faz uso cada vez mais de termos comumente relacionados a culturas indígenas (tribo, lança, caça, ritual, pintura corporal etc) para diferenciar os garotos. o exemplo mais contundente está na linha "Which is better—to be a pack of painted Indians like you are, or to be sensible like Ralph is?"("indians" sendo traduzido para "negros" pela Alfaguara*, aparentemente de uma versão mais antiga em que "indians" era a n-word). em minha opinião, a consciência da nossa potente capacidade para aterrorizar e violentar uns aos outros, e de que é preciso muito pouco para que ela venha à tona, é o que permanece ao final.
agora, fora do campo das referências, outro título que passou pela minha mente durante a leitura foi Vidas Secas, dado o fato de os capítulos parecerem contos, ainda que não sejam tão independentes neste caso quanto naquele. isso facilita a divisão da leitura em um capítulo por dia ou entre obrigações para não ficar enfadonha, risco não tão baixo quanto deveria mesmo a obra tendo envelhecido até bem.
como aponta Stephen King em uma introdução para a Penguin, Senhor das Moscas é uma história sobre crianças para adultos, mas acho que se eu fosse mais nova, especialmente um menino mais novo como ele era quando a leu pela primeira vez, ela teria arrancado de mim uma reação mais visceral. ainda assim, me perguntei diversas vezes se eu não fui uma criança que também apertaria a concha gritando pelo seu direito de falar.
* não achei a tradução ruim, mas não concordo com algumas escolhas, como o uso excessivo de "gente" nos diálogos, o que quebra o clima de várias falas.
edit: infelizmente, a cena de conotações sexuais na qual Jack e sua trupe matam uma mãe porca torna-se ainda mais nojenta em retrospecto quando você descobre que o autor confessou ter tentado estuprar uma garota (três palavras no google oferecem uma lista de artigos).