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A review by bibilly
É assim que se perde a guerra do tempo by Max Gladstone, Amal El-Mohtar
challenging
slow-paced
- Plot- or character-driven? N/A
- Strong character development? N/A
- Loveable characters? No
- Diverse cast of characters? It's complicated
- Flaws of characters a main focus? No
1.75
a prova de que uma boa prosa não torna uma história bem escrita.
toda vez que a comunidade leitora populariza uma obra como "poética" eu me preparo para algo pomposo, melodramático e insubstancial. mesmo assim, iniciei a leitura pronta para ceder umas 4 estrelinhas e usar a expressão "desafiando provérbios" toda vez que tomasse uma decisão questionável. agora eu olho para os sete dias que levei para terminar menos de duzentas páginas e eles parecem semanas. se por um lado a prosa deste livrinho é, até certo ponto, realmente notável, por outro, algumas escolhas — de formato (parte epistolar), gênero (scifi de viagem no tempo) e abordagem (zero fucks) — diminuíram seu impacto para mim.
tudo se resume ao fato de as protagonistas parecem mais bruxas anciãs conservadas em formol que viram o mundo acabar vezes demais para se importar genuinamente com ele do que espiãs rivais travando uma guerra através do espaço-tempo. penso que se esta fosse uma história de fantasia ou uma ficção histórica, e não uma ficção científica, haveria mais liberdade para a imprecisão deliberada dos autores, pois haveria menos necessidade de respostas ou a maioria estaria subentendida. aqui as exposições parecem por vezes apenas palavras coladas aleatoriamente, e no final a construção de mundo vai de confusa para risível. eu sou a primeira a reclamar de didatismo na ficção contemporânea, mas quando enquadramos um livro no scifi automaticamente esperamos explicações "científicas", ou no mínimo que a matéria não seja manipulada como mágica a bel prazer para dar vazão ao romance.
o que nos leva ao formato. amo abrir um livro e me deparar com cartas ou e-mails, principalmente em um romance, até quando não estou particularmente apaixonada por ele. dessa vez não foi diferente. entretanto, esse recurso só funciona de verdade se o casal já tiver se encontrado e ansiar por fazê-lo novamente, ou se a narrativa tecer um futuro além da correspondência, a surpresa da descoberta. nada disso acontece aqui, e pelo visto não sou romântica o suficiente pra me contentar com cartas. sem contar que os autores perderam a oportunidade de escrever uma friends-to-enemies-to-reluctant-allies-to-lovers. imagine isso numa fantasia ou livro de época, sem nenhuma tecnologia vaga ou obscura no caminho... agora quero um livro sobre bruxas espiãs de lados inimigos. higher stakes.
claro que tudo isso pode ser pontos positivos para outro leitor. vai mesmo da preferência de cada um.
uma acusação mais difícil de negar: as vozes das personagens se distinguem apenas pela intercalação entre elas e pelo uso do nome de cada uma somado a alusões a seus povos (com os quais elas têm uma conexão mais fraca que o meu wifi). se houvesse sucessão de capítulos sob o mesmo ponto de vista, a história seria ainda mais confusa, visto que o protagonismo duplo e o contrate de origens não influenciam no tom da narração nem invocam individualidade — algo que a gente espera em livros escritos por uma única pessoa, não por duas. os narradores, tanto em primeira quanto em terceira pessoa, são tão autoindugentes que acabam compartilhando a mesma personalidade, se é que existe uma.
além disso, como a história gira em torno de uma relação que abarca um grande espaço de tempo e as missões de ambos os lados não compõem nenhuma trama externa ou interligada, apenas um pano de fundo nebuloso, os capítulos lembram contos e não há uma progressão de eventos, tampouco psicológica. nunca vi uma guerra tão tediosa. as personagens parecem fantasmas de um enredo que poderia ter sido, mas não foi.
em suma, este livro é como ler um poema sobre um casal que você nunca conheceu — até bonito na superfície, mas a estética não impressiona o bastante para compensar a falta de vida entre as páginas.
por fim, escrevo esta resenha hoje graças à edição brasileira. encontrei pouquíssimos equívocos (a maioria uma questão de gosto), e acredito que seja mais satisfatória — não só mais acessível — a leitura da tradução. se dependesse do original, eu não teria saído do primeiro capítulo, mas nesta versão até o título soa melhor.
ps: terminei sem acreditar que, na trança do tempo, o futuro fica "fio abaixo" e o passado, "fio acima", e não o contrário.
toda vez que a comunidade leitora populariza uma obra como "poética" eu me preparo para algo pomposo, melodramático e insubstancial. mesmo assim, iniciei a leitura pronta para ceder umas 4 estrelinhas e usar a expressão "desafiando provérbios" toda vez que tomasse uma decisão questionável. agora eu olho para os sete dias que levei para terminar menos de duzentas páginas e eles parecem semanas. se por um lado a prosa deste livrinho é, até certo ponto, realmente notável, por outro, algumas escolhas — de formato (parte epistolar), gênero (scifi de viagem no tempo) e abordagem (zero fucks) — diminuíram seu impacto para mim.
tudo se resume ao fato de as protagonistas parecem mais bruxas anciãs conservadas em formol que viram o mundo acabar vezes demais para se importar genuinamente com ele do que espiãs rivais travando uma guerra através do espaço-tempo. penso que se esta fosse uma história de fantasia ou uma ficção histórica, e não uma ficção científica, haveria mais liberdade para a imprecisão deliberada dos autores, pois haveria menos necessidade de respostas ou a maioria estaria subentendida. aqui as exposições parecem por vezes apenas palavras coladas aleatoriamente, e no final a construção de mundo vai de confusa para risível. eu sou a primeira a reclamar de didatismo na ficção contemporânea, mas quando enquadramos um livro no scifi automaticamente esperamos explicações "científicas", ou no mínimo que a matéria não seja manipulada como mágica a bel prazer para dar vazão ao romance.
o que nos leva ao formato. amo abrir um livro e me deparar com cartas ou e-mails, principalmente em um romance, até quando não estou particularmente apaixonada por ele. dessa vez não foi diferente. entretanto, esse recurso só funciona de verdade se o casal já tiver se encontrado e ansiar por fazê-lo novamente, ou se a narrativa tecer um futuro além da correspondência, a surpresa da descoberta. nada disso acontece aqui, e pelo visto não sou romântica o suficiente pra me contentar com cartas. sem contar que os autores perderam a oportunidade de escrever uma friends-to-enemies-to-reluctant-allies-to-lovers. imagine isso numa fantasia ou livro de época, sem nenhuma tecnologia vaga ou obscura no caminho... agora quero um livro sobre bruxas espiãs de lados inimigos. higher stakes.
claro que tudo isso pode ser pontos positivos para outro leitor. vai mesmo da preferência de cada um.
uma acusação mais difícil de negar: as vozes das personagens se distinguem apenas pela intercalação entre elas e pelo uso do nome de cada uma somado a alusões a seus povos (com os quais elas têm uma conexão mais fraca que o meu wifi). se houvesse sucessão de capítulos sob o mesmo ponto de vista, a história seria ainda mais confusa, visto que o protagonismo duplo e o contrate de origens não influenciam no tom da narração nem invocam individualidade — algo que a gente espera em livros escritos por uma única pessoa, não por duas. os narradores, tanto em primeira quanto em terceira pessoa, são tão autoindugentes que acabam compartilhando a mesma personalidade, se é que existe uma.
além disso, como a história gira em torno de uma relação que abarca um grande espaço de tempo e as missões de ambos os lados não compõem nenhuma trama externa ou interligada, apenas um pano de fundo nebuloso, os capítulos lembram contos e não há uma progressão de eventos, tampouco psicológica. nunca vi uma guerra tão tediosa. as personagens parecem fantasmas de um enredo que poderia ter sido, mas não foi.
em suma, este livro é como ler um poema sobre um casal que você nunca conheceu — até bonito na superfície, mas a estética não impressiona o bastante para compensar a falta de vida entre as páginas.
por fim, escrevo esta resenha hoje graças à edição brasileira. encontrei pouquíssimos equívocos (a maioria uma questão de gosto), e acredito que seja mais satisfatória — não só mais acessível — a leitura da tradução. se dependesse do original, eu não teria saído do primeiro capítulo, mas nesta versão até o título soa melhor.
ps: terminei sem acreditar que, na trança do tempo, o futuro fica "fio abaixo" e o passado, "fio acima", e não o contrário.